terça-feira, 30 de setembro de 2014

A DOXA NO DISCURSO E PRÁXIS SOCIAL.

A doxa como hoje a concebemos é um conceito enfraquecido, mas quando o pensador de inícios da modernidade fala em “opinião”, o que ele entende é algo mais próximo do nosso inconsciente que da nossa fala. A opinião que alguém tem, e que lhe rege as ações, é uma convicção por vezes nem mesmo explicitada. Por exemplo, se alguém acha que o poder soberano está dividido entre o rei e o Parlamento, ou que a soberania, que cabe ao rei, não inclui a representação, que pertenceria ao Parlamento, tal opinião o faz obedecer ora a um, ora a outro. Mas não se trata necessariamente de uma opinião que uma enquête permitiria constatar. Pode, simplesmente, consistir no ignorar que o “soberano representante” é o monarca. Ter a opinião assim ao mesmo tempo inclui um poder enorme da opinião e, por outro lado, nem mesmo saber bem de que se trata. Onde isso fica mais claro é na passagem, talvez, mais significativa da obra hobbesiana inteira. Refiro-me a um momento do capítulo XIII do Leviatã. Hobbes acaba de explicar por que ocorre a guerra de todos contra todos. Explicou que, justamente por sermos iguais, sempre desejamos mais uns que os outros. Da igualdade decorre uma concorrência, que na falta de um poder estatal se converte em guerra. Assim, diz, “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito”. Ora, Hobbes está ciente da dimensão chocante dessa tese radicalmente anti aristotélica. Estamos acostumados a acreditar em nossa natureza sociável. É justamente por termos esta ilusão, aliás, que nos tornamos incapazes de gerar um mínimo de sociedade: Hobbes lida com esse paradoxo, que mais tarde será retomado por Freud, segundo o qual, se queremos ter sociedade, devemos estar atentos ao que é anti-social em nossas pulsões (Freud) ou em nossas posturas e estratégias; se queremos ter amor, devemos ter noção do ódio. Não se constrói a sociedade com base numa sociabilidade que não existe. Para ela ser erigida, é preciso fundá-la no que efetivamente existe, ou seja, nem uma natureza sociável, nem uma natureza anti-social, mas uma desconfiança radicalizada e racional. Na racionalidade se confronta as ideias, construtoras das opiniões e decisões sociais, tendo o humano como o centro das interlocuções sociais em suas comunicações segmentárias, dos núcleos que indiciam e fundamentam o discurso do Ser em sua racionalidade. 

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