A doxa
como hoje a concebemos é um conceito enfraquecido, mas quando o pensador de
inícios da modernidade fala em “opinião”, o que ele entende é algo mais próximo
do nosso inconsciente que da nossa fala. A opinião que alguém tem, e que lhe
rege as ações, é uma convicção por vezes nem mesmo explicitada. Por exemplo, se
alguém acha que o poder soberano está dividido entre o rei e o Parlamento, ou
que a soberania, que cabe ao rei, não inclui a representação, que pertenceria
ao Parlamento, tal opinião o faz obedecer ora a um, ora a outro. Mas não se
trata necessariamente de uma opinião que uma enquête permitiria
constatar. Pode, simplesmente, consistir no ignorar que o “soberano
representante” é o monarca. Ter a opinião assim ao mesmo tempo inclui um poder
enorme da opinião e, por outro lado, nem mesmo saber bem de que se trata. Onde
isso fica mais claro é na passagem, talvez, mais significativa da obra
hobbesiana inteira. Refiro-me a um momento do capítulo XIII do Leviatã.
Hobbes acaba de explicar por que ocorre a guerra de todos contra todos.
Explicou que, justamente por sermos iguais, sempre desejamos mais uns que os
outros. Da igualdade decorre uma concorrência, que na falta de um poder estatal
se converte em guerra. Assim, diz, “os homens não tiram prazer algum da
companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando
não existe um poder capaz de manter a todos em respeito”. Ora, Hobbes está
ciente da dimensão chocante dessa tese radicalmente anti aristotélica. Estamos acostumados
a acreditar em nossa natureza sociável. É justamente por termos esta ilusão,
aliás, que nos tornamos incapazes de gerar um mínimo de sociedade: Hobbes lida
com esse paradoxo, que mais tarde será retomado por Freud, segundo o qual, se
queremos ter sociedade, devemos estar atentos ao que é anti-social em nossas
pulsões (Freud) ou em nossas posturas e estratégias; se queremos ter amor,
devemos ter noção do ódio. Não se constrói a sociedade com base numa
sociabilidade que não existe. Para ela ser erigida, é preciso fundá-la no que
efetivamente existe, ou seja, nem uma natureza sociável, nem uma natureza
anti-social, mas uma desconfiança radicalizada e racional. Na racionalidade se
confronta as ideias, construtoras das opiniões e decisões sociais, tendo o
humano como o centro das interlocuções sociais em suas comunicações
segmentárias, dos núcleos que indiciam e fundamentam o discurso do Ser em sua
racionalidade.
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