O TRANSCURSO DA LINGUAGEM NA HISTÓRIA.
No século XVI, a
linguagem real não é um conjunto de signos independentes, uniforme e liso, em
que as coisas viriam refletir-se como num espelho, para aí enunciar, uma a uma,
sua verdade singular. É antes coisa opaca, misteriosa, cerrada sobre si mesma,
massa fragmentada e ponto por ponto enigmática, que se mistura aqui e ali com
as figuras do mundo e se imbrica com elas: tanto e tão bem que, todas juntas,
elas formam uma rede de marcas, em que cada uma pode desempenhar, e desempenha
de fato, em relação a todas as outras, o papel de conteúdo ou de signo, de
segredo ou de indicação. No seu ser bruto e histórico do século XVI, a
linguagem não é um sistema arbitrário; está depositada no mundo e dele faz
parte porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu
enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos homens como
coisas a decifrar. A grande metáfora do livro que se abre, que se soletra e
que se lê para conhecer a natureza não é mais que o reverso visível de uma
outra transferência, muito mais profunda, que constrange a linguagem a residir
do lado do mundo, em meio às plantas, às ervas, às pedras e aos animais. A
linguagem faz parte da grande distribuição das similitudes e das assinalações.
Por conseguinte, deve, ela própria, ser estudada como uma coisa da natureza.
Seus elementos têm, como os animais, as plantas ou as estrelas, suas leis de
afinidade e de conveniência, suas analogias obrigatórias. Ramus dividia sua gramática
em duas partes. A primeira era consagrada à etimologia, o que não quer dizer
que se buscasse aí o sentido originário das palavras, mas sim as “propriedades”
intrínsecas das letras, das sílabas, enfim, das palavras inteiras. A segunda parte
tratava da sintaxe: seu propósito era ensinar “a construção das palavras entre
si mediante suas propriedades” e consistia “quase que apenas em conveniência e
mútua comunhão das propriedades, como a do nome com o nome ou com o verbo, do advérbio
com todas as palavras às quais é associado, da conjunção na ordem das coisas
conjugadas”29. A linguagem
não é o que é porque tem um sentido; seu conteúdo representativo que, para os
gramáticos dos séculos XVII e XVIII terá tanta importância a ponto de servir de
fio condutor para suas análises, não tem aqui papel a desempenhar. As palavras
agrupam sílabas e as sílabas, letras, porque há, depositadas nestas, virtudes
que as aproximam e as desassociam, exatamente como no mundo as marcas se opõem
ou se atraem umas às outras. O estudo da gramática repousa, no século XVI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário